quinta-feira, 14 de junho de 2012

Kaingangs/Guayanás: Uma História de resistência.

Histórico do contato

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A história do contato entre os Kaingang e os colonizadores europeus teve início ainda no século XVI, quando alguns grupos que viviam mais próximos ao litoral atlântico tiveram contatos com os primeiros portugueses. No entanto, os registros históricos dessa época não especificam com segurança aqueles grupos que eram os ancestrais dos atuais Kaingang.
Embora a grande maioria dos índios reduzidos nos séculos XVI e XVII na Província do Guairá fosse da etnia guarani, sabe-se que alguns grupos ancestrais dos atuais Kaingang foram reduzidos em Conceição dos Gualachos, às margens do rio Piquiri, e em Encarnación, às margens do Tibagi. Após terem fugido dos ataques dos bandeirantes paulistas, os jesuítas fundaram novas reduções na Província do Tape, entre 1632 e 1636 (atual Estado do Rio Grande do Sul). Baseando-se em alguns registros históricos, é possível que os Kaingang tenham sido influenciados pela redução jesuítica da Santa Tereza, na região de Passo Fundo.
Pelos escritos de Montoya (1985 [1639; 1892]), fica evidente que muitas populações indígenas reduzidas foram atingidas por diversas epidemias e houve grande prejuízo demográfico. Os padres Ruiz de Montoya e Dias Taño visitaram os Gualachos e os Guaianá no alto Uruguai quando grassava uma epidemia. Mota (1997) resgata o registro de que o cacique Kanha-fé, que nasceu nos campos de Kavarú-koyá (extremo sudoeste do atual Estado de Santa Catarina), e seus antepassados lá estavam antes da chegada dos jesuítas e ali continuaram depois de sua expulsão.
Como foram poucos os que aceitaram viver sob o comando dos jesuítas, os Kaingang viveram livres nas regiões de campos e florestas do sul do país até o século XIX, quando foram conquistados.

Os Kaingang no século XVIII: as primeiras investidas contra seus territórios

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No período após a destruição das reduções jesuíticas verifica-se a expansão e presença dos Kaingang nas terras de planalto no Sul do país, em áreas de florestas subtropicais e de araucária, desde o Estado de São Paulo aos estados da região Sul, quando as expedições de reconhecimento e início das primeiras investidas contra os territórios indígenas provocaram violentas reações por parte dos habitantes kaingang e xokleng.
No século XVII foram registradas suas presenças no curso superior do rio Uruguai e no século XVIII ocupavam as extensas florestas do alto Uruguai, numa área que vai do rio Piratini (extremo Oeste) até a bacia do rio Caí, a leste. Constituíam territórios kaingang o Oeste de São Paulo, terras do segundo e terceiro planaltos do Paraná e Santa Catarina e toda a faixa acima das bacias dos rios Piratini, Jacuí e Caí no Rio Grande do Sul.
As primeiras tentativas de conquista e ocupação efetiva dos campos e florestas pertencentes aos Kaingang se iniciam na província do Paraná (que incluía a maior parte do Estado de Santa Catarina), na segunda metade do século XVIII, com a organização de expedições de conquista. Foram onze expedições organizadas entre 1768 e 1774, pelo Tenente-coronel Afonso Botelho com o objetivo de reconhecer e tomar posse das pastagens naturais existentes no interior da Província. Em 1770, a expedição comandada pelo Tenente Bruno Costa chegou aos campos de Koran-bang-rê (atual Guarapuava). Mais duas chegaram em 1771, uma comandada pelo sertanista Martins Lustosa e outra pelo Tenente Cândido Xavier. Os armamentos incluíam peças de artilharia e todas as armas de guerra da época. Os contatos com os Kaingang do Koran-bang-rê, como resultado da distribuição de presentes, foram inicialmente amistosos. Mas a reação indígena não tardou, ao desconfiarem que a amizade oferecida pelos brancos não era bem intencionada.
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Nesse período as expedições exploradoras localizaram vários territórios pertencentes aos vários grupos indígenas — Kaingang, Guarani, Xokleng, Xetá —, provocando as primeiras tentativas de ocupação não-indígena nas terras do interior das províncias do Sul. As reações dos índios foram violentas, marcadas por ataques de ambas as partes, apesar da estratégia dos brancos em angariar a confiança dos índios levando-lhes presentes. Todas as expedições tiveram de abandonar os Campos Gerais e só 40 anos mais tarde retornaram, tendo maior sucesso no século XIX.

A conquista dos territórios kaingang no século XIX

No século XIX havia dezenas de unidades político-territoriais cada qual chefiada por um cacique principal (põ’í-bang) e vários caciques subordinados (rekakê; põ’í) dos grupos locais que formavam a unidade sociopolítica. Mais exatamente, os territórios kaingang no Rio Grande do Sul tinham como limite a noroeste o rio Piratini, a nordeste o rio Pelotas, ao sul as bacias do Caí, Taquari e Jacuí. Tal como aconteceu nas bacias do atual Estado do Paraná, vários desses caciques tornaram-se aliados dos brancos e colaboraram na conquista dos grupos resistentes.  Ficaram famosos na história regional os põ’í que, em diferentes momentos, colaboraram no processo de conquista: no Paraná e Santa Catarina – Condá, Viri e Doble; no Rio Grande do Sul - Condá, Nonoai, Fongue, Nicafi (também grafado Nicaji, Nicofé, Nicafim), Braga e Doble.
Pode-se relacionar a expansão geográfica dos Kaingang com as pressões que as expedições de conquista foram promovendo. Alguns caciques foram-se aldeando e tornando-se aliados dos brancos, obrigando os grupos recalcitrantes a se retirarem para lugares mais distantes da rota expansionista, que lá permaneciam até serem novamente localizados e pressionados a se aldearem, liberando parte dos seus territórios para os fazendeiros e colonos nacionais e estrangeiros.
Sobre a conquista dos territórios kaingang no Paraná Mota (1994; 1998) foi o pesquisador que estudou mais detalhadamente os eventos históricos do contato e as estratégias utilizadas pelas autoridades políticas indígenas que, através de intensas negociações junto aos governos, conseguiram garantir, parte de seus territórios, até os dias atuais. Para a reconstituição da história kaingang no Rio Grande do Sul temos a pesquisa de Becker (1975) e de Simonian (1981; 1994a; 1994b; 1994c) e em Santa Catarina temos a contribuição de D’Angelis (1984; 1994).
A Estrada da Mata foi o eixo inicial da ocupação dos territórios indígenas do Sul, intensificada com o comércio de rebanhos muares e bovinos trazidos do Rio Grande do Sul para Sorocaba e passando pelos Campos Gerais no Paraná. O caminho das tropas é que vai consubstanciar uma frente de ocupação e exploração nacional nas terras indígenas, com a implantação de sesmarias a partir dos Campos Gerais no Paraná, não apenas em direção ao sul, mas também a oeste e norte. A expansão paulista é a ponta de lança para a conquista das terras indígenas do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A expansão para o norte e oeste dos Campos Gerais está relacionada à procura de uma ligação por terra, entre o litoral de Paranaguá e Mato Grosso, de crucial importância para o governo imperial na consolidação da conquista das terras para além do rio Paraná. Uma outra estrada, ligando Palmas a Corrientes, na Argentina, foi iniciada em 1857 sob a responsabilidade do engenheiro Hégrèville.
Todas essas estradas e caminhos atravessavam dezenas de territórios kaingang. Os índios atacavam os tropeiros, trabalhadores e colonos que iam se instalando nas paradas e locais de descanso, aos poucos tornando-se vilas, como Castro, Ponta Grossa, Lapa e Palmeiras, no Paraná; Lajes, Curitibanos, Campos Novos e São Joaquim, em Santa Catarina; Vacaria e Cruz Alta no Rio Grande do Sul.
A ocupação dos Campos Gerais foi retomada em 1810, quando nova expedição retornou para os campos de Koran-bang-rê, com o claro objetivo de obter a vitória contra os índios. Não se tratava mais de escravizar índios ou vendê-los como escravos, mas sim de conquistar suas terras, primeiro as áreas de campos que podiam imediatamente servir como pastagens para os rebanhos que acompanhavam as expedições. Depois de três meses de guerras e batalhas sangrentas, os Kaingang dos Koran-bang-rê foram derrotados pelas tropas comandadas por Diogo Pinto de Azevedo.
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Consolidada a vitória, fazendas foram instaladas nos territórios de Koran-bang-rê e a partir dos contatos estabelecidos com os índios vencidos, estes foram informando aos fazendeiros da existência de outros campos a oeste e sudoeste. Foi assim que, em 1839, os fazendeiros conquistaram e ocuparam os campos de Kreie-bang-rê. No centro de Koran-bang-rê surgiu a cidade de Guarapuava e no Kreie-bang-rê surgiu Palmas, encobrindo prática e simbolicamente os territórios kaingang.
Vários caminhos foram sendo abertos em direção a São Pedro do Rio Grande do Sul (hoje Estado do Rio Grande do Sul). Nos anos de 1830 buscava-se uma ligação entre as vilas de Guarapuava (no Koran-bang-rê) e de Palmas (no Kreie-bang-rê) e, em 1842, uma via ligando esta a Curitiba. Em 1860 o governo autorizou a abertura de uma estrada entre Kreie-bang-rê e Corrientes, Argentina, passando por vários territórios kaingang, como Kampo-rê e Kavarú-koyá. Nessa época, as terras de Kavarú-koyá eram habitadas pelo grupo do cacique Fracrân (também conhecido como Endjotoi). Em 1865, este grupo foi contatado pela expedição do engenheiro Morais Jardim e, apesar da resistência à ocupação, foi derrotado pelo grupo de Kondá, que trabalhava para os brancos.
Kondá também ajudou na conquista de Kampo-rê (SC) e de Nonoai (RS). Depois do rompimento com Virí, seu subordinado, foi viver nos campos do Chopim. Mais tarde, tornou-se o líder dos Kaingang de Nonoai e fez aliança com o governo do Rio Grande do Sul, fixando-se nos campos do Goio-en. Na condição de funcionário do governo (recebia soldo do governo), auxiliou na abertura de uma estrada ligando Kampo-rê (Campo-erê) a Kreie-bang-rê (Palmas) e, junto com o engenheiro Hegrévillè, na abertura da estrada ligando Palmas a Corrientes, Norte da Argentina.
Em direção ao Rio Grande do Sul, as expedições de conquista localizaram e ocuparam os campos de Xaxerê, que separam os vales do rio Chapecó e Uruguai. Lá fundaram a Colônia Militar do Chapecó, hoje cidade de Xanxerê (SC). Como alguns grupos queriam ser aldeados perto da colônia militar, foi fundado nas proximidades o Toldo Formigas, comandado por Kondá.
Virí foi outro Kaingang que trabalhou como aliado dos brancos. Era chefe dos Kaingang que viviam no Covó e entrou em contato com os brancos a partir de 1839. Fixou-se no aldeamento em Palmas em 1850. De cacique subordinado dos grupos chefiados por Kondá, tornou-se dissidente e trabalhou de forma independente, constituindo-se o seu grupo uma força paramilitar dos brancos. Defendeu Palmas do ataque dos índios comandados por Vaiton e de muitos outros grupos que atacaram a vila em 1854. Organizou o ataque aos Kaingang de Paikerê em 1855, trazendo 17 prisioneiros que tentou vender para os fazendeiros de Palmas. Parte dos índios de Paikerê, depois do ataque de Virí, entregaram-se espontaneamente na Colônia Militar do Jataí, em 1858. Em 1864, passou a receber soldo do governo, o que perdurou até 1873, quando faleceu.
Outros caciques kaingang que receberam soldo do governo provincial, para protegerem as nascentes vilas e cidades, foram: Bandeira, Henrique, Gregório e Doble. Bandeira era chefe dos toldos das matas entre os rios Corumbataí e Ivaí. Os caciques Henrique e Gregório viviam nos toldos do Campo Mourão, perto da antiga Vila Rica do Espírito Santo, na margem esquerda do rio Ivaí. Em 1896 estavam chefiando os toldos do Ranchinho e Bufadeira. Todos tinham sido convidados por Luiz Cleve a viverem no aldeamento das Marrecas.
O cacique Paulino Arak-xó (também chamado Dotay) a princípio vivia nas margens do alto Ivaí com 95 índios, no lugar denominado Porteirinha, perto de Barra Vermelha. Em 1896 já estava no Toldo Ubá. Ao que parece, trata-se de uma região no atual município de Cândido de Abreu.
Na bacia do Tibagi-PR viviam os grupos dos caciques Aropquimbé, Covó e Nhozoro, todos irmãos. A conquista desta região era importante porque, como já dissemos, o Estado imperial almejava encontrar uma ligação entre o litoral de Paranaguá e o Mato Grosso, por interesses estratégicos na conquista e incorporação de territórios a oeste. Uma parte dos Kaingang que habitava as florestas do Tibagi eram os Dorins, que tinham participado do ataque e incêndio de Atalaia (Guarapuava) em 1825.
Dentro do plano de conquista, foi planejada a fundação de quatro colônias militares na província do Paraná e quatro no Mato Grosso. A colônia militar do Jataí foi fundada em 1855 e defronte, na outra margem, foi fundado um aldeamento indígena que passou a ser habitado por vários grupos guarani-kaiowá trazidos do Mato Grosso em 1852 e outros que chegaram nos anos seguintes. Os primeiros contatos com os Kaingang arredios que moravam nas matas da bacia do Tibagi se iniciaram em 1858. Em 1859 foi ordenada a fundação do aldeamento de São Jerônimo para que os Kaingang ali fixassem suas aldeias.
Em 1862, chegaram ao aldeamento os Kaingang chefiados pelo cacique Aropquimbe, oprimeiro da região do Tibagi que aceitou fixar-se no aldeamento. No ano seguinte, foram os Kaingang chefiados pelo cacique Kairu. Em 1864 mudaram-se para o aldeamento de São Pedro dois grupos: um chefiado por Kovó e outro por Gregório.
Os Kaingang no Rio Grande do Sul foram catequizados e aldeados no mesmo tempo que os do Paraná e Santa Catarina. A abertura de uma estrada ligando Palmas às terras das Missões riograndenses era vital para a sua incorporação ao território brasileiro. Em 1845, o Alferes Francisco da Rocha Loures foi encarregado desta tarefa. Sabendo que teria de atravessar terras kaingang, Loures contratou Kondá para ajudá-lo, não só por conhecer os locais dos alojamentos mas também para garantir segurança à expedição e tentar convencer os índios a se aldearem. O governo, paralelamente, mandou missionários para a região de Nonoai para promover o aldeamento e a catequese.
Em 1848 foi conquistado o cacique Fongue, que se fixou com seu grupo no aldeamento de Guarita. A presença de Fongue está registrada em relatórios de 1880 nos aldeamentos de Pinheiro Ralo e Inhacorá e também como um dos caciques subordinados ao cacique principal, Nonoai. Ao lado de Fongue, na mesma região, aparece o registro do grupo do cacique Votouro; a oeste, nas regiões de Vacaria e Lagoa Vermelha, viviam os grupos chefiados por Doble e Nicafé (Nicaji; Nicafim).
Fongue auxiliou na conquista dos Kaingang do cacique Nikué (conhecido como João Grande), a serviço dos brancos. As conquistas prosseguiram na direção dos campos de Nonoai onde viviam os grupos comandados pelos caciques Nonoai, Kondá e Nicafé (genro de Kondá). Em 1850 o engenheiro Mabilde conseguiu o aldeamento do grupo do cacique Braga, que vivia no Mato Castelhano e Campo do Meio. O aldeamento situou-se no Campo do Meio. Sendo muitos os subgrupos chefiados por Braga, alguns caciques não se aldearam e os dissidentes permaneceram nos antigos territórios, como foi o caso do grupo chefiado por Nicafé. Em 1865/66, há registro da presença do cacique Chico, que vivia no Campo do Meio.
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O cacique Doble, depois da ruptura com o cacique principal, Braga, apresentou-se aos brancos para se aldear, tornando-se um dos principais auxiliares da força "militar" dos brancos para a submissão dos grupos arredios que atacavam os colonos e tropeiros. Doble aparece, assim, em muitos lugares, com Braga, antes do contato e, depois, a serviço dos brancos: na região do Mato Castelhano, até 1848; nos fundos dos Campos de Nonoai e Guarita, em 1849; em Vacaria, em 1851. No aldeamento Santa Izabel conseguiu submeter os Kaaguá, próximo à colônia Monte Caseros (Mato Português); Flores refere-se a Doble no Pontão, em 1880, com 200 índios. Foi responsável pelo extermínio do grupo do cacique Nicafé, cujos remanescentes fixaram-se no aldeamento Santa Izabel, chefiados pelo capitão Chico (que deve ter sucedido o falecido Nicafé). Este aldeamento foi extinto em 1861. Em 1862, Doble deixou a região e aldeou-se próximo à colônia Monte Caseros, no local depois conhecido como Toldo de Caseros. Na verdade, Doble comandava 11 grupos, cada qual com seu cacique, quando se apresentaram na colônia Monte Caseros.
O cacique principal (Põ’í-bang) Braga, comandava um conjunto de 23 subgrupos e dominava um extenso território que compreendia o Mato Castelhano, o Campo do Meio, e os campos de Vacaria e do Passo Fundo, a sudeste dessas matas e entre as cabeceiras dos rios Turvo e da Prata, tributários do rio das Antas. Com a dissidência do grupo do cacique subordinado Doble, passam a guerrear entre si. A conquista dos caciques Nonoai, Kondá e Nicafé representou para Braga mais perseguidores. Pouco antes de 1850, estava alojado entre os rios das Antas e Caí, e, possivelmente para fugir das perseguições, deslocou-se para as serras entre os rios Turvo e Prata, onde o encontrou o engenheiro Mabilde, que o convenceu a aldear-se no Campo do Meio.
O cacique Nonoai e seu grupo foram contatados pelo padre Parés, que se havia estabelecido sob a proteção do governo. Em 1848 padres jesuítas foram chamados pelo governo da Província do Rio Grande do Sul para promover a catequese dos Kaingang de Guarita e Nonoai. Os aldeamentos fundados entre 1848 e 1850 no Norte e Noroeste do Rio Grande do Sul, conforme análise de Becker, tinham como objetivo concentrar os Kaingang dos caciques Nonoai, Fongue e Braga a fim de distribuir suas terras para os colonos alemães.
Outro grupo importante na história do Rio Grande do Sul era chefiado pelo cacique Votouro, provavelmente originário do Paraná, que não aceitou aldear-se e atravessou o rio Uruguai. Era cacique dos toldos de Votouro, cinco léguas a leste de Nonoai, do outro lado do rio Passo Fundo.
Apesar de todas as guerras dos Kaingang para expulsar os brancos, os caciques foram vencidos um a um e aceitaram fixar-se nos aldeamentos definidos pelo governo, sob pena de serem exterminados, como de fato alguns o foram. Simultaneamente ao aldeamento, os territórios foram sendo ocupados pelas fazendas e a colonização nacional foi se consolidando nas décadas seguintes. No final do século XIX, pode-se dizer que todos os grupos tinham sido conquistados, com poucas exceções: no Estado de São Paulo, os Kaingang da região do Aguapeí ainda resistiam; no Paraná havia dois grupos Kaingang nas florestas entre os rios Cinzas e Laranjinha; em Santa Catarina os Xokléng ainda resistiam e atacavam colonos e transeuntes.
A estratégia que garantiu a eficácia da conquista indígena foi a de transformar os grupos aldeados em forças militares a serviço da conquista. Não só instrumentalizaram-se das inimizades já existentes entre os diferentes caciques como multiplicaram e potencializaram essas inimizades. O fato de um grupo aliar-se ao branco produzia a dissidência com todos os grupos resistentes, que eram perseguidos implacavelmente.

A conquista dos últimos grupos kaingang no século XX

No século XIX, os terrítórios dos principais caciques evidenciavam a sua presença nos atuais estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e também na Argentina, na região da Província de Misiones. Todos os grupos kaingang e caciques que viviam no Sul do Brasil foram praticamente conquistados e aldeados no século XIX, à exceção dos Kaingang da bacia do Tietê-SP e os grupos que viviam nos territórios entre os rios Laranjinha e Cinzas, no Paraná. Os de São Paulo foram conquistados em 1912 e os do Paraná em 1930. Em todas as expedições foram utilizados alguns Kaingang pacificados de São Jerônimo.
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Os Kaingang no Estado de São Paulo passaram a ter seus territórios invadidos pelo governo do Estado e pelas colonizadoras que, de forma articulada, iam construindo a estrada de ferro rumo ao sertão que era na verdade território kaingang. Os ataques dos Kaingang aos trabalhadores da construção da ferrovia foram responsáveis pela criação do SPI e da organização de expedições de pacificação. Foram contratados vários Kaingang da bacia do Tibagi e outros linguarás (intérpretes que participavam da expedição) para ajudar nos contatos em 1912, início da conquista. Horta Barboza registra que metade dos Kaingang paulistas morreu de uma epidemia de gripe logo após os primeiros contatos entre 1912 e 1913.
No Estado do Paraná também foram utilizados linguarás e índios kaingang de São Jerônimo para ajudar na pacificação dos grupos arredios. Duas expedições foram organizadas pelo SPI em parceria com a CTNP-Companhia de Terras Norte do Paraná. Os Guarani que viviam na mesma região também foram usados como auxiliares dessas expedições. Em 1930 dois grupos foram contatados e aceitaram as propostas de “proteção” do SPI: o grupo menor, com cerca de vinte e cinco pessoas, foi aldeado no Posto “Velho” ou Krenau (próximo à atual aldeia guarani de Laranjinha, município de Santa Amélia) e o segundo, maior, com cerca de cem pessoas foi levado para a região do Ivaí (Tommasino, 1995). Os membros do grupo que se aldeou no Posto Velho ou Krenau, com as epidemias que grassaram na região, morreram todos. Quanto aos que foram levados para o Ivai não se tem notícia de seu destino.
Hoje os Kaingangs estão nos estados do  PR, RS, SC e SP. Pelo senso da FUNASA em 2009 são 33.064, de família linguística Jê, também chamados de Guayanás.

Povos Indigenas do Brasil ISA.

domingo, 10 de junho de 2012

Azulejos valiosos


Quatro casarões do século XIX são alvo de roubos e depredações em Belém



A capital paraense já foi considerada uma das cidades brasileiras com maior variedade de azulejos, que coloriam a fachada e o interior de residências. Boa parte deles foi importada da Europa, principalmente na virada do século XIX para o XX, auge da produção de borracha. Dos anos 1970 para cá, no entanto, mais de 50% dos azulejos se perderam. Este ano, a situação parece ter se agravado. Desde fevereiro, pelo menos quatro casarões foram alvo de vandalismo. O assunto vem se espalhando pela capital paraense, e há até quem suspeite de encomenda de roubos.
Uma das construções depredadas é o Palacete Vítor Maria da Silva, batizado com o nome de seu antigo dono, inspetor de obras do estado do Pará no governo Augusto Montenegro (1901-1909). Os azulejos foram encontrados dias depois, em cacos, e estão no Laboratório de Conservação e Restauração da UFPA (Lacore). “O casarão reflete bem a realidade dessa sociedade que vivia com o lucro da borracha. Ali tinha tudo do melhor, além de vários tipos de azulejos da França, da Alemanha e de Portugal, espalhados por quase todos os cômodos. Recebemos aqui no laboratório mais de 1.000 fragmentos de azulejos e estamos montando o quebra-cabeça para ver a que painéis pertencem. Vamos limpar e organizar o material até o fim de junho. Só depois será decidido o que pode ser restaurado ou refeito”, explica Thais Sanjad, coordenadora do Lacore.
Há cerca de um ano, o Departamento do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural (Dphac) iniciou o processo de tombamento do casarão. Segundo a diretora Thaís Toscado, o procedimento é demorado, por ser necessário documentar detalhes arquitetônicos e históricos da construção. “No caso deste imóvel, os detalhes se tornam mais elaborados, dado o nível artístico dos painéis de azulejo. Mas o local já foi interditado. Além disso, a Procuradoria-Geral do Estado encaminhou um processo à Justiça estadual, que estabeleceu multa caso o casarão não seja restaurado num prazo mínimo de três meses e máximo de um ano”, afirma a diretora do Dphac.
A proteção do palacete parece encaminhada, mas a situação na cidade gera preocupação, já que outros três casarões tiveram azulejos do século XIX furtados. “Foram roubos pontuais muito estranhos. O Palacete Vítor Maria da Silva tem um dos interiores mais bonitos da cidade, mas por fora é muito simples, não chama atenção. As pessoas que invadiram devem ter sido encarregadas de roubar azulejos. Ou então foi uma tentativa de desqualificação da propriedade, para que se possa fazer o que quiser com o patrimônio”, suspeita a arquiteta e urbanista Claudia Nascimento. A superintendente do Iphan no Pará, Maria Dorotéa Lima, concorda: “Tudo indica que há um mercado de azulejos na cidade, até porque os exemplares fora das áreas tombadas não têm qualquer proteção, o que pretendemos fazer em breve”, diz. Enquanto as investigações não forem concluídas, os poucos exemplares de azulejos que ainda restam aumentam cada vez mais de valor, para a alegria dos ladrões.

Fonte: Revista Nacional de História.