quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

LOUCOS? SIM! Museu da LOUCURA...BRASIL

Cidade dos loucos e da memória

Museu da Loucura, em Barbacena, prepara exposição pelos 25 anos do Dia Nacional da Luta Antimanicomial

Cristina Romanelli
23/2/2012

  • “O Hospital Colônia vendia às escolas de Medicina cadáveres de acientes que morriam às centenas (...) Para o fornecimento de ossos, corpos eram cozidos em tambores de gasolina, diante dos outros pacientes”, informa o texto no Museu da Loucura, localizado em um prédio do antigo hospício, hoje Centro Hospitalar de Psiquiatria de Barbacena (CHPB), em Minas Gerais. A exposição de algemas, uniformes e da grade da última cela – desativada em 1993 – lembra mais uma prisão ou um campo de concentração nazista, como comparou o psiquiatra italiano Franco Basaglia, que visitou o hospital em 1979. Ainda hoje, o esforço para a modificação dos serviços psiquiátricos continua. O museu faz sua parte realizando uma exposição temporária a partir de 18 de maio, quando o Dia Nacional da Luta Antimanicomial completa 25 anos.
    A data comemorativa foi criada durante o II Encontro Nacional dos Trabalhadores em Saúde Mental, em 1987, em Bauru, estado de São Paulo. A carta elaborada no evento será exposta no museu. “O encontro foi um marco; depois disso, a luta deixou de ser só de trabalhadores da área. A carta é uma espécie de manifesto, insere a questão da extinção dos manicômios. Hoje não se pode mais construí-los; eles estão sendo substituídos por residências terapêuticas”, explica Roseli Pereira, enfermeira do CHPB, especialista em saúde mental e responsável pela pesquisa da exposição permanente do museu.
    Sete hospitais psiquiátricos
    Barbacena já chegou a ter sete hospitais psiquiátricos. O Hospital Colônia, criado em 1903, foi o primeiro de Minas Gerais. Ele serviu de referência por pelo menos 30 anos, o que atraiu novos pacientes, incluindo tuberculosos e pessoas que apresentavam algum comportamento inaceitável para a época, como prostitutas e homossexuais. Em 1966, a população de internos chegou a quase 5.000 pessoas. Era muita gente para poucos recursos. Resultado: cerca de 60.000 mortos até hoje. “Quando alguém entrava em crise, fosse psicose ou por causa de álcool ou drogas, era deixado e esquecido no hospital”, conta Roseli.
    A cidade, que adquiriu o estigma de “cidade dos loucos”, já foi citada até por Guimarães Rosa no conto “Sorôco, sua mãe, sua filha”, em Primeiras Estórias (1962). “Guimarães Rosa era médico e viveu na cidade nos anos 1930; ele estava a par da situação. As pessoas eram acorrentadas para serem levadas até lá, e há uma referência no conto. Ele questiona os limites da loucura e o espaço destinado aos doentes mentais no século XX no Brasil”, diz Maria Perla Araújo Morais, do Departamento de Letras da Universidade Federal do Tocantins.
    Apesar da má fama até na literatura, a cidade já conseguiu mudar, em boa parte, a situação dos hospitais psiquiátricos. As piadas, no entanto, continuam. “Eu morava em Juiz de Fora e dava aulas em Barbacena. O pessoal sempre me mandava ter cuidado quando ia à cidade dos loucos. Até hoje dizem que se pode esperar qualquer coisa de quem nasce lá”, conta Maria Perla. O velho estigma pelo menos atrai visitantes ao museu, que há 15 anos lembra a história do Hospital Colônia e mantém vivo o debate sobre a reforma psiquiátrica no país.
    O Museu da Loucura fica na Rodovia MG 265, km 5, Barbacena, sul de Minas Gerais. O espaço está aberto de segunda a sexta-feira, das 8h às 12h e das 13h às 18h.




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