terça-feira, 19 de abril de 2011

Presente do Indicativo: Eu tolero e tu toleras?


 A negação da intolerância exige uma atitude tolerante, mas também de intransigência. Quem decide, porém, quando o indivíduo, denominações religiosas, grupos, etc., são intolerantes, e, portanto, não podem ser tolerados? Numa sociedade onde os interesses são antagônicos, quem interpreta quais são os “bons costumes” e o que é prejudicial?
Afinal, quais as restrições à tolerância? Mesmo o mais ferrenho defensor da liberdade de expressão pode se ver diante de circunstâncias que a questione. É possível tolerar a liberdade de expressão em todas as situações? Numa sociedade democrática, é possível tolerar os antidemocráticos? Podemos, em nome da tolerância, admitir a literatura de cunho racista e preconceituoso? Como tolerar, em nome do respeito ao multiculturalismo, culturas que contradizem os direitos humanos?
No século XVIII, Voltaire, em seu Dicionário Filosófico, se perguntava: “O que é a intolerância?” E, respondia: “É o apanágio da humanidade. Estamos todos empedernidos de debilidades e erros; perdoamo-nos reciprocamente nossas tolices, é a primeira lei da natureza”. Há muito que a humanidade padece deste mal. O preconceito religioso, étnico, político, cultural, ou seja, a incapacidade humana em se reconhecer no “outro” e respeitá-lo é, sem dúvidas, um fator essencial gerador da intolerância. É preciso considerar, ainda, as formações societárias específicas e os diferentes contextos históricos.
O preconceito e a intolerância são estimulados por motivos essencialmente econômicos. A sociedade escravagista necessitava desenvolver uma teoria justificadora da pretensa superioridade racial dos brancos para impor o trabalho escravo. No entanto, o fator econômico não esgota a questão. Até mesmo fatores de ordem psíquica devem ser levados em conta. Neste processo, a educação pode cumprir um papel fundamental, seja no sentido de contribuir para a introjeção do preconceito e, assim, fortalecer atitudes intolerantes; seja para construir uma sociedade tolerante e que predomine o respeito mútuo.

As sociedades passaram por transformações substanciais, mas não extinguiram o preconceito nem a intolerância. O projeto iluminista fundado na crença da razão enquanto fator de progresso humano fracassou. O século XX gerou barbáries como o holocausto e as guerras “em nome de Deus” permanecem atuais. No mundo globalizado pós-11 de setembro, o preconceito e a intolerância se fundam em novas formas e procuram se legitimar por um discurso estimulado pelo Império, cujas conseqüências imediatas é a criminalização de qualquer crítica à sua hegemonia, a qualificação indiscriminada de “terrorista” e as restrições às liberdades individuais e à própria democracia. Em nome da segurança.
As potências atuais resgatam o grande Leviatã e, na “guerra de todos contra todos”, todos somos suspeitos potenciais. Neste contexto, os movimentos de migrações, os inúmeros campos de refugiados espalhados pelo mundo, potencializam uma realidade explosiva: a crise econômica capitalista, a concorrência pelo emprego, o aumento da desigualdade social, a convivência entre diferentes culturas, etc. Estes elementos geram um campo minado no qual as atitudes os preconceitos e intolerância ganham audiência e teorias legitimadoras.
No Brasil, não é diferente. Impactado pelas transformações em âmbito mundial, carregamos ainda a triste realidade de uma dívida social, herança da nossa formação histórica e das políticas econômicas adotadas pelos diferentes governos. À desigualdade social que grassa em nossa sociedade, soma-se a discriminação racial e o preconceito de classe. Convivemos com as injustiças sociais e raciais, as quais são até transformadas em obras cinematográficas de sucesso (paradoxalmente, a miséria é objeto de consumo e fonte de renda).

Em tais condições, o preconceito e a intolerância tendem a perdurar. Isto se faz presente em todos os espaços: no trabalho, nas escolas, nas universidades, nos meios de comunicação, etc. Contribuir para transformar esta realidade é também um compromisso dos intelectuais com responsabilidade social com os que são econômica e culturalmente desfavorecidos.
À intolerância religiosa soma-se a intolerância política, cultural, étnica e sexual. A inquisição está presente no cotidiano dos indivíduos: no âmbito do espaço doméstico, nos locais do trabalho, nos espaços públicos e privados. Ela assume formas sutis de violência simbólica e manifestações extremadas de ódio, envolvendo todas as esferas das relações humanas. A intolerância é, portanto, uma das formas de opressão de indivíduos em geral fragilizados por sua condição econômica, cultural, étnica, sexual e até mesmo por fatores etários.
A construção de uma sociedade fundada em valores que fortaleçam a tolerância mútua exige o estudo das formas de intolerância e das suas manifestações concretas, aliado à denúncia e combate a todos os tipos de intolerância. Por outro lado, a tolerância pressupõe a intransigência diante das formas de intolerância e fundamenta-se numa concepção que não restringe o problema da tolerância/intolerância ao âmbito do indivíduo; esta é também uma questão social, econômica, política e de classe.

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